domingo, 30 de setembro de 2012

SEGURANÇA QUE NINGUÉM QUER VER

Ao longo dos anos quem trabalha acaba entendendo na prática e a duras penas aquela velha estória que explica a valorização do ovo da galinha em detrimento ao ovo da pata.
Nestes 15 anos de prevenção de acidentes tendo a oportunidade de desenvolver atividades continuamente no chamado chão de fábrica e ao mesmo tempo participar e acompanhar os grandes debates relativos da área entendo que há necessidade de urgentemente juntar as duas prevenções de acidente – ou seja – a prevenção do dia a dia – feita pelos chamados SESMT e a prevenção teórica discutida e tratada por aqueles que mesmo com muita boa vontade e conhecimento pouco ou nada conhecem sobre a realidade desta área. Esta dicotomia – que em nosso país não é um privilegio da área prevencionista - ao longo do tempo prestou uma serie de desfavores que por fim veio a atingir mesmo aos operários contribuindo em alguns casos para a involução da segurança e saúde no trabalho. Não creio que de fato exista de qualquer uma das partes algum tipo de intenção de causar danos, vejo mesmo até certa boa vontade – no entanto longe vai o tempo onde apenas boa vontade tinha algum valor.

Independente do que venha acontecer no futuro – neste momento difícil de precisar já que as negociações relativas a NR 4 ainda encontram-se em temas de fácil acordo – é importante que nos – os profissionais que conhecemos a esquina onde a prática encontra-se com a teoria estejamos atentos acima de tudo como especialistas e como cidadãos para que não se faça deste segmento algo inviável e especialmente que não se remeta a questão da vida e saúde para um campo de interesses nebulosos.

Notoriamente, os problemas de segurança e saúde no Brasil não estão na legislação – reconhecida pelas vozes e mentes mais conscientes da comunidade prevencionista deste país como moderna e adequada.

Difícil supor que as nossas NR não cumpram seu papel, quando na verdade em boa parte dos locais de trabalho elas não são cumpridas.

Sabemos – não por informações e notas – que nas empresas onde os programas de segurança são efetivos – e estes elaborados a partir das NR – o índice de prevenção mostra-se em muitos casos superior ao obtido em paises do chamado primeiro mundo mesmo que tenhamos por aqui máquinas obsoletas e outras condições um tanto quanto complexas.

Com certeza podemos dizer que é verdade que o modelo do SESMT do Brasil deu certo mas é claro que não nos referimos a teoria do SESMT e sim a sua aplicação na prática e por toda sua extensão.

Penso que seja preciso coragem para partirmos em direção a um estudo onde seja possível mostrar a evolução da prevenção em dois modos distintos, sendo o primeiro no segmento de pouco menos de 2 % das empresas instaladas no Brasil que mantém o SESMT e o segundo nas demais empresas.

Dizer ou afirmar que o SESMT não contribuiu ou contribui para a melhoria das condições de segurança do trabalho em nosso país sem que seja feita esta avaliação é algo pelo menos tendencioso e sem qualquer validade estatística.

Tenho em mãos as estatísticas de 12 grandes empresas que atuam no Brasil. Sem exceção em todas elas os números mostram que alguma coisa mudou.

Numa comparação simples fica fácil entender que estas empresas tal como outras tantas ao longo dos últimos estiveram expostas a todo tipo de pressão dos fatores externos. De diferente, encontro apenas que estas empresas cumprem a NR 4 e mantém em seus quadros grupo de profissionais prevencionistas atuantes. Obviamente sei também que estas empresas passaram na ultima década por alguns momentos com problemas relativos à prevenção. Estudando os casos, encontramos momentos da história da relação capital – trabalho que tiveram forte influencia, casos como a abertura com poucos critérios das terceirizações por exemplo. Vale aqui citar a situação pela qual passa uma grande e conhecida empresa nacional – que no passado recente era referencia em termos de prevenção de acidentes mesmo quando comparada com outras similares do chamado mundo moderno. Até onde sei desde muito a atividade desenvolvida por esta empresa enquadra-se no rol das atividades industriais de maior risco, mas também sei que durante muito tempo não se tinha noticias de acidentes mais graves em suas instalações.

É fato – possível de constatação quando estudado – que nas empresas onde o SESMT foi estabelecido o padrão de segurança e saúde ampliou-se e consolidou-se. Tal constatação pode ser feita com facilidade desde que levado em conta o bom senso.

O QUE NINGUÉM VÊ
Alguém precisa dizer para algumas pessoas menos avisadas que estamos no Brasil.

Esta é uma premissa essencial para qualquer debate que queira ter a seriedade como base.

Alguém precisa um dia falar com seriedade sobre as coisas que fazemos aqui e deixar de vez por todas de tentar impor que ou adotamos modelos externos ou não sobreviveremos.

A prevenção de acidentes brasileira é com certeza uma das áreas que mais evoluiu nas ultimas décadas.

O formato dado ao SESMT, CIPA e outras iniciativas tomadas nesta direção é compatível com a cultura de nossa gente, com a necessidade de estabelecer um processo educativo e cultural capaz de corrigir erros grosseiros na nossa estrutura porquanto sociedade industrializada.

Não quero dizer com isso que tal estrutura ou modo de gestão para o assunto deva ser definitiva – creio que um dia chegaremos ao tempo onde de fato como em tudo na evolução tenhamos necessidade de rever o modo atual. No entanto, no presente momento de nossa história mudar este modelo é pelo menos temeroso.

Primeiro porque não temos ainda no seio de nossa sociedade uma cultura mais arraigada com relação ao real conceito de saúde. Vivemos ainda em um país onde é possível a troca de saúde por adicionais e isso ocorre num momento econômico onde tais adicionais fazem muita diferença nos ganhos dos trabalhadores.

Apenas este fato por si já demonstra a imaturidade de alguns envolvidos na questão e nos levam a ter duvidas de como irão portar-se caso tenham para si a responsabilidade de tratar o assunto.

Ora, é preciso que fique claro – em especial para aqueles que distante de tendências queiram de fato entender o assunto – que não foi e nem é o SESMT que se empenha para a manutenção e obtenção destes adicionais – antes – ao longo dos anos os SESMT se empenharam e tem conseguido trabalhar em prol da eliminação dos riscos. Isso é um fato palpável em muitas empresas por todo o país e em alguns casos com soluções de tal forma criativas que já há algum tempo vem sendo adotadas em outros paises que se espelham na nossa Engenharia de Segurança para encontrar soluções para seus problemas.

Questão de prevenção de acidentes no Brasil, passa como todas as demais questões estruturais, como assunto que carece de ser olhado com seriedade.

Quando deparamos com as noticias de acidentes fatais nos jornais que lemos chama a atenção uma questão das mais interessantes: Não falta know how para que tais acidentes sejam evitados – a grande maioria deles ocorre pela inobservância de questões primárias da prevenção.

A maior condição insegura deste país é a certeza da impunidade que tem lugar comum ao lado de todas as demais barbáries que vemos. É certo que por todo mundo acidentes – situações inesperadas ou não programadas – ferem, mutilam e matam. Mas também é certo que há muito tempo nos paises evoluídos acidentes como o que vemos em nossos noticiários deixaram de ocorrer na quantidade que ocorrem por aqui. Isso já é uma realidade dentro das empresas onde os SESMT atuam e de certa forma cumprem o papel da autoridade. Nos demais locais de trabalho – de onde as autoridades e a justiça mantem-se distantes não seria a falta do SESMT algo a ser pensado ?

Ontem li nos jornais o caso de mais um acidente fatal, onde o trabalhador veio a cair de uma obra de um prédio em SP.

Na própria noticia – escrita por alguém que não tem qualquer conhecimento mais profundo de nossa área – está explicito que o empregado não tinha qualquer tipo de equipamento de segurança.

Todos os dias tomamos conhecimento de casos assim, mas há muito tempo – se prestarmos atenção – não temos mais noticias deste tipo – ocorridos dentro de empresas de grande porte. Será que os telhados e fachadas destas empresas - algumas delas com mais de 4 mil empregados em constantes obras, tem alguma diferença destas que encontramos em cada esquina deste país ?

Parece-me simplório demais não querer ver a realidade.

Seria importante que neste momento estivéssemos discutindo – como há uma proposta em estudo – a universalização do SESMT. Tratando disso com certeza estaríamos prestando um grande favor ao país e sua gente. Pode ser que isso incomode alguns segmentos – sem o profissional especializado para dar parâmetros ao debate – a tratativa das questões de segurança e saúde podem ser conduzidas sem qualquer critério para o campo do negocio onde na maioria das vezes não há qualquer interesse real pela saúde e segurança das pessoas. No entanto – e preciso que aqueles que tanto defendem os modelos vindos do exterior tenham coragem de dizer que em muitos paises modernos do mundo isso é uma realidade. Dia destes, auxiliando na tradução técnica de uma auditoria de um sistema de gestão vinda de um destes paises constatei que a primeira pergunta era exatamente quanto ao estabelecimento receber algum tipo de suporte especializado sobre segurança e saúde – isso independente do numero de empregados ou grau de risco. Tal questão – em meio a um calhamaço de questões relativas a certificação para um dado sistema, quando não atendida, implicava na não certificação.

Eis ai mais uma questão que ninguém quer ver: onde ocorrem os acidentes do trabalho no Brasil ? Nas empresas com SESMT ou nas 98 % das empresas que não tem qualquer tipo de cobertura especializada ?

Não é preciso estatística, basta ler jornais todos os dias. Basta participar de grupos sociais de sua comunidade e lamentavelmente constatar que o grupo de mutilados e inválidos já não passa desapercebido. Basta tomar ciência que em SP criou-se a Associação das Viúvas de Mortos por Acidentes na Construção Civil. Dê uma volta no quarteirão de sua casa e veja quantas obras encontra sem qualquer cuidado de segurança.

OS CAMINHOS DO FUTURO
Os caminhos que hoje vemos pela frente, no meu entendimento não se mostram consistentes a ponto de levarem a todas as mudanças sobre as quais ouvimos falar.

Tentar colocar num mesmo momento o fim do SESMT dentro das empresas e a privatização do seguro acidente e ir de encontro a uma realidade que vai causar muitos problemas.

Hoje, todas estas deficiências e buracos que vemos no modo de gestão do assunto em muitos casos acabam não onerando a empresas devido a postura paternalista e sem gerenciamento da previdência pública. Com isso quero dizer que parte do buraco deixado pela ausência e falta de atuação do prevencionista nas empresas é assumido e pago pelo Estado deixando parte do empresariado sem muitas preocupações com o assunto.

Em suma, é possível não pagar pela prevenção porque também não se paga pela falta dela.

No entanto, no momento em que estivermos diante destas seqüelas tratadas como parte de um negocio – que como todo negocio deve dar lucro – estaremos diante de um grande centro de conflitos.

Penso que pouca gente se deu conta disso. Para garantir menores custos com seguros as empresas irão precisar mais do que nunca do SESMT e a retirada deste dos locais de trabalho – seja pela criação do suposto SEST Coletivo ou algo assim – será mais uma grande desfavor ao cidadão que ao final de tudo estará mais vez – se o rumo das coisas não for mudado – arcando com o repasse dos custos nos produtos – para pagar pela falta de condição de segurança nos locais de trabalho. Ou seja – a mudança do seguro acidente e o afastamento simultâneo do SESMT dos locais de trabalho – serão pagos com certeza por todos nós.

Para evitar isso – que com certeza será a saída encontrada – há necessidade de trabalharmos a transição do modelo atual do SAT para o privatizado com a manutenção e ampliação dos Serviços Especializados em Segurança e Saúde. Talvez seja este o modelo correto para o Brasil.

Portanto, cabe-nos contribuir – tanto pelos interesses da prevenção essencialmente dita, como pelos interesses gerais do país, para que o debate hoje em curso sobre a NR 4, encontre resguardo na contribuição que conduza a decisão ao interesse geral.

Nenhum debate ou nenhuma decisão que não leve em conta as questões culturais – seja do empresariado – seja do trabalhador – irá de encontro a soluções e propostas que façam frente a realidade.

Neste momento, o papel do prevencionista como quem pode oferecer subsídios para um debate mais realista – torna-se de suma importância.

Precisamos dizer a comunidade em geral, aos grupos sociais organizados e as cabeças que dirigem este país – sem fazer aqui trocadilho – o rumo mais seguro para este assunto.

Com a palavra os especialistas práticos – que ao longo dos anos mostraram-se tecnicamente por demais capazes, mas politicamente verdadeiras nulidades.

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