sábado, 21 de julho de 2012

ATO INSEGURO - O QUE HÁ POR DETRÁS DISSO


Embora a área de prevenção de acidentes tenha nos últimos anos passado por grande evolução existem ainda alguns pontos e algumas questões que carecem de revisão ou atenção. Sem dúvida alguma a questão do ATO INSEGURO está entre estas.
Por detrás deste termo oculta-se um universo de situações registradas obscuramente e quase sempre com o objetivo de definir e transferir a culpa para o acidentado.
Do ponto de vista ético o uso inadequado do ATO INSEGURO é uma lacuna vergonhosa na história da prevenção de acidentes e que contribuiu demais para que muitos segmentos sociais vejam o SESMT com maus olhos.
Não bastasse isso um outro grande problema gerado pelo mal uso diz respeito a impossibilidade de gerarmos - a partir da caracterização equivocada das causas dos acidentes - programas capazes de fazer frente as reais causas dos acidentes.
Claramente falando fica evidente que as medidas tomadas para evitar novos acidentes - a partir das clássicas investigações - não são mais do que panacéias visto que não sabendo a real causa certamente tudo que fizermos para corrigi-la será inócuo.
Diante disso algumas pessoas podem alegar que mesmo assim seus programas de segurança apresentam resultados.
Com certeza isso é verdade - em especial porque a grande maioria destes programas diz respeito ao comportamento - e mesmo que não atinjam diretamente as causas destes ou daqueles acidentes - irão de alguma forma contribuir para a redução no geral.
Poderíamos chamar isso de prevenção de acidentes no "atacado" , mas gostaríamos de lembrar que a investigação inadequada ou tendenciosa pode - digamos assim - levar a acidentes mais graves no "varejo".
Particularmente e pela experiência temo muito estes programas muito amplos que não contemplem atenção especial a situações especificas.
Penso que muitos deles conduzam a "sensação de ambiente seguro" - ficando apenas na sensação. A realidade mostra casos de muitas empresas - algumas delas com tradição em prevenção de acidentes - onde registraram-se a ocorrência de seqüenciais acidentes graves mesmo estando dentro de poderosos e famosos programas de segurança.
Um ponto importante que também deve ser discutido diz respeito ao direito do acidentado de conhecer a verdade sobre os fatos.
Neste ponto há uma mistura das mais complexas de ignorância, medo e culpa.
Durante todos estes anos tentei entender ou compreender o que vai dentro de uma pessoa que tendo perdido uma parte de seu corpo ainda tenha que de alguma forma assumir que o fato ocorreu por sua vontade e ação pura e simplesmente.
Penso que neste ponto estamos diante de uma das questões mais complexas do universo da infortunística laboral e de uma imensa divida social.

EXISTE ATO INSEGURO ?

Com certeza sim.
A própria natureza humana e a capacidade de escolher ou criar inerente ao ser humano acabam por possibilitar que certas atitudes impliquem em alguma forma de insegurança.
No entanto para chegarmos até esta conclusão precisamos levar em consideração uma série de fatores.
Um erro, uma falha, uma atitude pura e simplesmente não podem por si caracterizar um ato inseguro.
Por detrás do AGIR há muitos fatores que podem e DEVEM ser analisados.
Ato inseguro - na concepção mais justa da coisa - é uma conduta a partir de uma decisão, escolha ou opção que desnecessariamente conduzam a ocorrência de um acidente ou contribua direta ou indiretamente para que ele ocorra.
Vejam bem que as palavras ESCOLHA OU OPÇÃO ou DESNECESSARIAMENTE são de suma importância nesta definição.
Não há coisa mais simples no mundo prevencionista do que atribuir a culpa ao trabalhador.
E como já foi dito acima - embora culpa não seja a palavra mais adequada - ocorrem sim acidentes cujas causas estão diretamente relacionadas a atitude do acidentado. Mas tenham certeza de que elas são muito mais raras do que indicam tantas e muitas estatísticas que vemos por toda parte.
Antes de chegarmos pura e simplesmente ao momento do acidente - ponto este que a maioria dos prevencionistas utiliza para realizar sua investigação e análise, precisamos entender uma série de coisas.
A primeira delas diz respeito a DECISÃO, ESCOLHA OU OPÇÃO.
A pergunta mais simples - e também mais polemica - é a seguinte: poderia o trabalhador decidir, escolher ou optar por fazer de outra forma ?
Na maioria dos casos veremos que não - embora muitos que insistam em não enxergar a crueza e dureza das relações de trabalho em nosso país - dirão que sim.
 Muito do que ocorre de acidente neste país - tem como causa fatores já implícitos no próprio processo formal das empresas - trata-se do errado que ao longo do tempo passa a ser o obvio e normal.
Um processo errado que tem em si uma série de condições inseguras - que somente serão vistas por que de fato conheça os parâmetros reais da prevenção. O fazer aquilo por si já é inseguro - porque seja o método, seja o meio ou seja lá o que for não permite ou possibilita que o trabalhador faça em condições normais sem expor-se ao risco.
Seria um tipo de condição segura inerente, encoberta pela falta de preparo e conhecimento de pessoas que supostamente analisam estas atividades e as tem como normais e possíveis de serem executadas sem acidentes.
Dentro deste universo, por exemplo, estão as questões do ritmo - um verdadeiro fantasma na vida do trabalhador e muito bem caricaturado em um filme do genial Chaplin.
Em tempos onde tanto se fala de ergonomia resta-nos a esperança de um dia chegarmos a entender melhor esta relação homem x tempo x trabalho e no futuro quem sabe - ouvirmos alguém atribuir a Deus a culpa por ter criado um ser incapaz de acompanhar o ritmo definido sem qualquer critério.
Deve ficar claro que o ATO INSEGURO existe quando o trabalhador pode decidir pelo erro.
Obvio que a decisão acertada carece de conhecimento prévio - e portanto - a falta de treinamento ou preparo descaracterizam o ato inseguro - visto que a decisão errada quando tomada por falta de conhecimento independe do trabalhador.
Para assimilarmos estes conceitos é preciso na verdade revermos muito do que assumimos como normal e formal e regressarmos as bases da relação do trabalho. Usar da mão de obra, dos préstimos ou serviços de outro para obter resultados ou lucros - implica na aceitação de teorias e normas da ética e do direito.
Um outro ponto importante a ser levado em conta diz respeito a realidade social brasileira.
Bem sei que tais analises são quase que impraticáveis pelos SESMT - mas do ponto de vista do estudo, detectação e analise de causas não devem ser desprezadas - sendo essenciais para a análise do ponto de vista jurídico.
Refiro-me aqui a questão do temor reverencial - ou seja - do medo que o trabalhador tem de seu superior por quanto é esta a pessoa que pode decidir pela manutenção ou não de seu emprego e por conseqüência da própria subsistência e também a de seus familiares.
Uma das características muito próprias da questão acidentaria brasileira diz respeito à ausência das garantias mínimas sociais - ou seja - em nosso país a obtenção dos serviços básicos com qualidade e em tempo hábil está diretamente associada ao emprego.
Desta forma, antes de ser cidadão ou mesmo para se-lo, parece ser imperativo estar empregado.
Perder o emprego significa perder a assistência medica adequada, o transporte com qualidade, o acesso ao credito, a moradia, a boa escola para os filhos. Etc.
Por esta razão parece obvio que o trabalhador brasileiro sujeite-se mais aos riscos e perigos do que os trabalhadores do primeiro mundo - onde a perda do emprego não significa uma ruptura de tal magnitude.
Falando do desnecessariamente nota-se que em algumas momentos isso confunde-se com a decisão, escolha ou opção.
Deve ficar muito claro que não ERA PRECISO FAZER AQUILO que conduziu a ocorrência do acidente. Casos como este são muito comuns nos acidentes ocorridos com pessoas com maior grau de instrução e formação.
São de fato verdadeiros atos inseguros, porque as pessoas sabem como fazer, existem meios corretos e disponíveis - mas optam - pelo uso do suposto conhecimento e outros motivos - por fazer de forma diferente.
Não se deve e nem se pode confundir o desnecessário - Teremos sim um ATO INSEGURO quando ficar patente que apesar de TODAS as condições necessárias estarem à disposição do trabalhador - incluindo-se aqui o conhecimento e a informação - Este por sua livre decisão optou por fazer de forma diferente. ESTE SIM É O GENUINO ATO INSEGURO.
INDO UM POUCO MAIS ALÉM

Importante entender que a mudança da cultura em relação ao ato inseguro é algo benéfico para as empresas que realmente tem interesse em investir em prevenção de acidentes e seus custos.
Como já foi dito acima sem precisar de fato as causas reais do acidente é impossível trabalhar na direção correta das ações que irão evitar novas ocorrências.
Sem a realidade a base do programa de prevenção estará totalmente fora do foco correto e mais uma vez recursos serão jogados fora.
 Isso precisa ser explicado para a alta direção e principalmente para a media supervisão das empresas.
O que hoje é cômodo e encerra o assunto - ou seja - a atribuição dos acidentes ao trabalhador e a tentativa de prevenção pelo convencimento (palestras, diálogos, dds, etc.) na verdade pode estar encobrindo problemas sérios que invariavelmente só vão ser levados em conta quando do evento de uma perda ou morte.
É preciso educar as pessoas para encararmos a questão do acidente de frente e sem subterfúgios. Precisamos - e isso primeiramente nós do SESMT - deixarmos de lado os velhos valores e informações quanto às causas dos acidentes - e nos dedicarmos ao estudo técnico e detalhado do assunto.
 O que hoje apresentamos como resultados - em parte totalmente inválidos devido à cultura do ato inseguro sem maiores critérios - se questionado dificilmente teremos como responder.
Vejo que em boa parte das empresas adota-se após a investigação/análise a apresentação de gráficos ou quadros com as principais causas de acidentes. Confesso que durante muitos anos venho esperando que um dia alguém questione: - Tudo bem, vocês da segurança estão me dizendo que 85 % dos acidentes ocorrem pela distração dos empregados. Qual a proposta para evitarmos isso? Certamente ninguém terá outra resposta - ou então cairemos mais uma vez nas velhas palestras - embora a transferência de conhecimentos não posso modificar nosso estado de atenção.
Fica claro que a busca por soluções reais - e talvez ai valorização para nossa área - passa por uma revisão de conceitos e método de atuação.
Se a nossa área cabe apontar os caminhos que levam a prevenção - certamente só estaremos próximos a estes quando ao menos soubermos por que de fato temos acidentes.
A mudança de cultura pode ser dolorosa, mas os resultados com certeza serão muito mais seguros.
Cosmo Palasio de Moraes Jr.
Divulgação e reprodução autorizada desde que mencionado o autor e a fonte.
Cosmo Palasio de Moraes Jr.

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